
Se segundo a edição do argentino Diário Olé de 25.04.2003, o “Celular de Deus” tocou em Buenos Aires, o telegrama chegou a Belém naquele 18.07.1965 de férias e de pouco público na Curuzú. O conteúdo desse telegrama, contudo, não contaria a história de uma vitória comum, de um amistoso qualquer de manchetes amareladas ou retratado em pequenos rodapés jornalísticos.
Ele traria o improvável do manto que deixou de ser grande apenas no Pará para agigantar-se diante de um dos mais pesados do futebol sul-americano (e mundial), o aurinegro de Montevidéu.
E ponha pesado nisso.
O Peñarol dos anos de 1960 era uma dinastia mortífera de futebol, conquistando 7 títulos uruguaios (1 tricampeonato de 1961 a 1963 e 2 bicampeonatos de 1964 a 1965 e de 1966 a 1967); 3 Libertadores (1 bicampeonato em 1960 e 1961 - logo nas duas primeiras edições do torneio - e 1 título em 1966, em uma melhor de três, vencendo o River Plate na ida em Montevidéu e repetindo a dose em Santiago, no jogo desempate); e 2 Intercontinentais (1961 e 1966, contra Benfica de Eusébio – goleado por 5x0 em Montevidéu após um empate em Lisboa – e Real Madrid, em um duplo 2x0, numa final de almanaque).
Tudo isso contando com o futebol impressionante de um time etério que, apesar de derrotado em Belém, tinha uma onzena formada por: Alberto Spencer – o maior futebolista equatoriano de todos os tempos e o maior artilheiro da história da Libertadores com 54 gols marcados – Juan Joya, genial ponteiro peruano, tetracampeão uruguaio, bicampeão da América e Bicampeão do Mundo pelo Peñarol entre 1961 e 1966; e Pedro Rocha que - além de tricampeão da América, heptacampeão uruguaio e bicampeão mundial, tudo pelos Manyas na década de 1960 – viria a ser peça fundamental do São Paulo, campeão brasileiro de 1971 e campeão da Copa América de 1967 pela Celeste Olímpica, ele que também é o terceiro maior artilheiro da história da Libertadores com 36 gols marcados e maior dentre todos os atacantes uruguaios que já disputaram o Continental.
Além deles, o time titular do clube Carbonero - que viria sucumbir no calor belemense 4 meses depois de ser vice-campeão da América em 1965 (sendo derrotado pelo Independiente, em sua quarta final continental na década) – contava com Ladislao Mazurkiewicz – goleiro semifinalista da Copa de 1970 e Campeão da Copa América de 1967 com a Celeste Olímpica – Pablo Forlán, lateral-direito, pentacampeão uruguaio, campeão da Libertadores e do Mundial Interclubes de 1966 e tricampeão paulista pelo São Paulo; Omar Caetano, meia cerebral que no ciclo de 1960 foi octacampeão uruguaio, bi da Libertadores e do Interclubes, indo a 2 Copas do Mundo em 1966 e 1970, onde foi quarto colocado jogando pelo Uruguai; e com Julio Abaddie, heptacampeão uruguaio e também campeão da América e do Interclubes em 1966, onde foi o craque (ou o Man of the Match) da final em que o Peñarol engoliu os Merengues no Bernabéu com gols de Pedro Rocha e Alberto Spencer. Todos eles comandados por Roque Máspoli, goleiro campeão do Mundo no Maracanazzo de 1950, cujo cartaz não impediu que fosse derrotado pelo técnico bicolor (e uruguaio) Juan Álvarez, ex- goleiro do Nacional de Montevidéu, naquela manhã em Belém do Pará.
Contra a própria criação, os Deuses do Futebol, pelos pés de Ércio, Milton Dias e Pau Preto, em uma partida perfeita do clube paraense, fizeram o Paysandu ser supremo diante dos supremos. Se aquela partida pudesse virar uma estátua, ela certamente seria de bronze.
Mas nem o bronze, talvez, seria capaz de personificá-la ou traduzia-la tão bem como a música, composta na simplicidade das arquibancadas da Curuzú por Pires Cavalcante.
Nisso tudo, tendo você visto, vivido ou ouvido a chegada do telegrama na cidade homônima a que Cristo nasceu e/ou o toque do celular de Deus em terras portenhas, só há uma certeza: a de que não há como, na história do Paysandu, não venerar um dia como esse.
O dia em que o Peñarol padeceu.
PAYSANDU: Castilho; Oliveira, Abel, Jota Alves e Carlinhos; Beto, Quarenta; Pau Preto (Milton Marabá), Édson Piola (Vila), Milton Dias (Laércio) e Ércio. Técnico: Juan Álvarez.
PEÑAROL: Mazurkiewcz; Forlan, Lescano, Varela e Caetano; Dávila, Pedro Rocha; Abaddie (Flores), Silva, Spencer (Resnick), Joya. Treinador: Roque Máspoli.